O apelido BARBEITO

Num excesso de otimismo afirmava Valeriano Villanueva, autor do apartado de “Agricultura” da Geografía General del Reino de Galicia, que: “El maíz y la patata hicieron desaparecer el barbecho en Galicia mucho antes que dejase de usarse esta forma de cultivos en los países más adelantados de Europa, y hoy en toda la región gallega hasta el nombre (barbeito) ha desaparecido”[1]. Ainda que tal cousa fosse certa, a palabra referida ao terreno que fica em repouso até recuperar a fertilidade, o barbeito (do latim vervactu), en nengum caso ficara no esquecimento, ainda que só fosse pola sua forte impronta na toponímia menor e maior.

Dos muitos lugares chamados Barbeito (embora nengum dentro da atual comarca de Ordes) derivou um dos apelidos mais representativos da freguesia das Encrovas, e que ocupa o 13º posto na classificaçom dos apelidos mais frequentes em todo o concelho de Cerzeda, levando-o 130 pessoas[2]. No concelho de Ordes, também é habitual, precisamente, nas freguesias que lindam com as Encrovas: Leira e Ardemil. Em Loureda, por exemplo, o apelido Barbeito veu da Lousa das Encrovas.

Umha breve olhada à história encrovesa recente confirma o frote arraigo do apelido Barbeito. Durante a II República eram multitude na Sociedade Agrária “Adelante” de Encrovas e, ainda, no Sindicato de Profissons Várias e Campesinhos da Vrea, o lugar de Ardemil mais próximo das Encrovas. Da primeira era vice-presidente Antonio Prego Barbeito, secretário José Barbeito Barbeito, e vogais Pedro Barbeito Mesigo, Francisco Barbeito Mesigos, Francisco Barbeito García, Francisco Eiriz Barbeito, Juan Barbeito Gende e Jesús Barbeito Gende, talvez irmaos. Da segunda era presidente Francisco Candela [erro por Candal?] Barbeito e vice-presidente Constante Barbeito Moscoso[3]. Gente brava os Barbeito!

Temerosa de perder os seus privilégios perante este processo generalizado de auto-organizaçom popular, com sociedades para a melhora do campesinhado em todas as paróquias, a burguesia apoiou o golpe de Estado contra a República, que rapidamente clausurou estas sociedades e incautou os seus bens comunais, nunca devoltos aos seus legítimos donos. E o que foi pior ainda, muitos destes moços foram recrutados à força e obrigados a combaterem na Guerra Civil a favor de quem rematara com tantas esperanças democratizadoras. No monumento franquista do Coto de Guichar, e ao lado dos nomes de destacados golpistas como o General Sanjurjo, Primo de Rivera ou o General Mola (esse bárbaro que dixera ao iniciar a sublevaçom que “es necesario propagar una imagen de terror”), figuram os nomes e aprimeiros apelidos de quinze soldados mortos no bando “nacional”, entre eles vários Barbeito: José Mª Barbeito, Eduardo Barbeito, Manuel Barbeito, e outros três que poderiam ser os citados diretivos da Sociedade Agrária “Adelante”: Francisco Barbeito, José Barbeito e Juan Barbeito.

Ainda, o Registo Civil de Cerzeda recolhe numha ata de 22 de julho de 1941 a “desapariçom” em açom de guerra do artilheiro José María Lozano Barbeito, de 25 anos, solteiro e natural das Encrovas, de quem nada mais se soubo desde o 15 de maio de 1937 na Fronte das Astúrias[4].

Passado o genocídio e os anos da fame, a guerra voltou às Encrovas com os últimos estertores da Ditadura: em 1975 a FENOSA pom as Encrovas no seu ponto de mira e, de novo, a resistência chamou-se Barbeito. Para além do inesquecível Moncho Valcarce e outros quadros do movimento nacional-popular galego, ali também estavam as mulheres das Encrovas e um líder natural: Lolo Barbeito, o rapaz que nascera na casa de Estrella do Campo e que começaria a ser conhecido em toda a Galiza como Barbeito das Encrovas. No remate da marcha contra a central nuclear de Jove, em 10 de abril de 1977, Barbeito foi um dos que tomou a palabra no adro da igreja para transmitir à gente da Marinha toda solidaridade que lhes enviavam as irmás das Encrovas[5]. A ternura dos povos contra a depredaçom capitalista.

Fora já da paróquia (ou quiçá com origens nela?) nom podemos esquecer a grande pedagoga corunhesa María Barbeito Cerviño (1880-1970), umhas das mulheres mais destacadas do primeiro terço do século XX. Mestra e inspectora de ensino, aplicou os métodos pedagógicos mais avançados, alguns dos quais conheceu em 1935 quando viajou pola Europa pensionada pola Junta por Ampliaçom de Estudos. Ativista e impulsora de inúmeros projetos da ajuda às classes populares e especialmente às suas crianças, defendeu umha escola laica, igualitária e co-educativa, razons de sobra para que a Ditadura a “depurasse”[6]. Umha das suas inovaçons educativas foi a de dar educaçom física a nenas e nenos sem distinçom, desenhando exercícios que combinavam cantigas populares galegas com açons motrizes[7].

Eis a fertilidade das Barbeito, umha raça de luitadoras, um apelido do que sentir-se orgulhosas.

"Os de Sam Cosmade" tocando nas Encrovas, diante do hórreo da casa do funcionista Manuel Barbeito Barbeito (irmao de José Barbeito Barbeito da "Adelante"), a Casa do Viúvo de Surigha, destruída por FENOSA. 10 de julho de 1955, Festa do Carme
“Os de Sam Cosmade” tocando nas Encrovas, diante do hórreo da casa do funcionista Manuel Barbeito Barbeito (irmao de José Barbeito Barbeito da “Adelante”), a Casa do Viúvo de Surigha, destruída por FENOSA. 10 de julho de 1955, Festa do Carme

[1] Valeriano Villanueva, “Agricultura”, em: F. Carreras y Candi, Geografía General de Galicia, Vol. I, t. 1, Barcelona, Editorial Alberto Martín, 1980, p. 113.

[2] Instituto Galego de Estatística.

[3] “Relación de sociedades da carácter obrero constituídas em esta provincia [Corunha] com arreglo a la ley de 8 de abril de 1932”.

[4] Manuel Pazos Gómez, A guerra silenciada, Ordes, A.C. Obradoiro da História, 2011, pp. 123-134.

[5] Emilio López Pérez, A Terra sabe a loita, Santiago de Compostela, Fundación Bautista Álvarez de Estudos Nacionalistas, 2012, p. 49.

[6] A. Romero Masiá, María Barbeito. Umha vida ao servizo da escola e dos escolares (1880-1970), Corunha, Baía Edicións, 2014.

[7] Um exemplo desses exercícios em: Cristina López Villar, Pioneiras no deporte en Galicia, Deputación da Coruña, 2017, pp. 38-39.

Deixe um comentário